Pesquisa

domingo, 3 de abril de 2011

Um magnífico automóvel

João sempre quis ter aquele carro. Uma esplêndida máquina, a melhor já criada pela indústria humana. Nascido em família de classe média jamais possuiu um veículo luxuoso. Entretanto, a vez dele havia chegado. Com atual conjuntura econômica e um ótimo emprego em uma multinacional, finalmente, ele conseguiu reunir dinheiro suficiente para satisfazer o seu sonho de consumo.
João sempre foi um rapaz honesto, cordato, esforçado e inteligente. Sua única obsessão era adquirir aquele carro extraordinário. Naquela gloriosa manhã de sábado, tomou um café da manhã reforçado, despediu-se da mulher e dirigiu-se para a concessionária a fim de entrar para o seleto grupo dos proprietários do fenômeno de quatro rodas. Porém, chegando na loja teve uma ingrata surpresa: O preço do automóvel tão sonhado havia subido. Depois de muito argumentar com o vendedor, João exigiu a presença do gerente:
__Quero falar com o gerente?
__Tem certeza disto senhor? _ perguntou o vendedor de forma apreensiva.
__Absoluta. Este aumento é abusivo. Ontem a noite, eu acessei o site desta concessionária e lá o preço era bem inferior do que este que você está cobrando hoje. Pelo preço de ontem posso pagar este carro e quero comprá-lo.
__Como queira senhor. Tenha a gentileza de me acompanhar.
João foi conduzido por um corredor e levado até a sala da gerência. O vendedor pediu um tempo para avisar ao gerente da presença do cliente. Instantes depois, João estava dentro do escritório do gerente da concessionária. O ambiente era ricamente mobiliado, mas possuía um cheiro desagradável, que João percebeu, embora não pudesse definir qual odor era.
O gerente, muito solícito, ofereceu uma cadeira para o cliente e, como já estava inteirado da reclamação, explanou o motivo da majoração do preço do automóvel para João.
__Este carro com que trabalhamos é um dos maiores símbolos de status do mundo. E desde ontem está mais prestigiado, porque venceu uma eleição de repercussão mundial, que tinha por objetivo  escolher o melhor automóvel do planeta. Achamos justo subir o preço, uma vez que o prestígio que o carro porporciona aos seus proprietários também aumentou. Receio que o nosso site esteja desatualizado, pois nossos funcionários responsáveis pela divulgação eletrônica só voltarão aos trabalhos na segunda-feira. Em suma, sem querer ser indelicado, o preço que o nosso competente vendedor informou ao senhor é o preço deste palácio sobre quatro rodas e não aceitaremos nenhum centavo a menos.
__Mas... Não podem fazer um desconto... Pago o valor de antes do prêmio.
__Hoje em dia este valor é insuficiente.
__Pois então pago o valor antigo e financio o restante.
__Não financiamos este produto.
__Vocês são inflexíveis.
__Ora, não se zangue meu caro...?
__João Faustino.
__Caríssimo João, vendemos um produto extremamente qualificado e incrivelmente caro. Você não tem o dinheiro suficiente para comprá-lo e isto não é nenhuma vergonha. A maior parte da humanidade não pode efetuar esta compra. Mas, se este é o seu sonho, não vejo porque você não fazer certos sacrifícios para realizá-lo.
__Sacrifícios?!
__Sim, veja o que pode vender, o que pode perder, do que pode abdicar, para comprar este maravilhoso automóvel. Olha para o fundo de sua alma e veja o que este carro significa para você e depois nos procure, obviamente, se já estiver com o valor estipulado.
Ao dizer isto o gerente abriu um cativante sorriso e ofereceu para João uma bebida. Este um pouco zonzo aceitou a oferta, embora não fosse usuário de bebida alcoólica. O gestor ofereceu a João um cartão,com o nome Angelo Lúcio, que o rapaz guardou na carteira. Em seguida, os dois homens se despediram, após calorosos cumprimentos por parte do comerciante.
João ficou tonto pela bebida, por seu desejo de adquirir aquele carro e pelas palavras do gerente. Algo estranho germinava dentro dele.
Na segunda-feira, João fez que ninguém, nem ele mesmo, imaginava que ele fosse capaz de fazer: Desviou dinheiro da firma, justamente a quantia necessário para completar o pagamento pelo carro tão sonhado. Em seguida, pela primeira vez em três anos de trabalho naquela empresa, pediu para sair mais cedo, alegando forte enxaqueca. Em vez de procurar um consultório médico, foi diretamente à concessonária comprar o esplêndido veículo. Preencheu o cheque e deu entrada no processo para liberação do carro. Teria que aguardar mais vinte dias para realizar o sonho. Mas é óbvio que realizou um teste de direção, que o fez sentir o gosto do paraíso. Chegando ao lar, se indispôs com a esposa, sempre com os mesmos assuntos cotidianos que nada tinham que ver com douradados sonhos automobilísticos.
No dia seguinte a fraude foi descoberta. Como João não tinha experiência em ser desonesto, realizou um crime extremamente imperfeito. Foi demitido e indiciado em processo judicial. Mas para ele nada mais importava, a não ser a espera pelo carro.
O casamento de João ia de mal a pior. Sua esposa tomou ciência do desfalque efetuado por ele . Em busca de explicações, a mulher só encontrou respostas grosseiras e ameaças de agressão. Um dia, quando o nervosismo dos dois estava no auge, João acertou um soco certeiro na mulher, quebrando o nariz dela. Ela ficou em estado de choque, porque nunca imaginou que seu marido fosse capaz de tal ato de violência. Logo em seguida, o celular de João tocou: Era da concessionária, finalmente o tão ambicionado veículo havia sido liberado.
João correu até à loja de veículos. Surpreendemente quem o atendeu foi o gerente da concessionária. Sempre sorridente e simpático, parabenizou João pela aquisição, que faria com que ele passasse a fazer parte de um seletíssimo grupo. Ofereceu a João uma bebida e pediu ao comprador uma "carona".
Os dois homens circulavam na cidade com aquele nababesco automóvel. João, meio entorpecido pela bebida, pela presença e pelo cheiro daquele charmoso gerente, disse:
__Ainda bem que pude pagar pelo meu sonho.
__Mas você ainda não pagou. Não o preço total.
__Como assim não paguei? Já assinei todos os documentos. Vai dizer que você vai querer arrancar mais dinheiro de mim?
__Não falo em pagamento em dinheiro. Falo em pagamento com algo mais precioso do que dinheiro, embora vocês humanos, em sua estupidez, não percebam e troquem suas almas imortais com tanta facilidade por bens materiais efêmeros e de valor discutível.
__Do que você está falando?
__Verá quando colidir.
__Colidir?!
João voltou a prestar atenção no trânsito, mas já era tarde. O seu carro colidiu com um ônibus urbano, superlotado, e o acidente provocou a morte não somente dele, mas de dezenas de pessoas.
Os homens do corpo de bombeiros, encontraram dentro daquele caríssimo automóvel, apenas um cádaver. Neste exato momento, a alma deste cádaver dava entrada no Inferno e era levada até o gabinete de Satanás. Mas que coisa curiosa! O administrador das terras infernais era idêntico ao gerente da concessionária e o cheiro que aquele lugar exalava era o mesmo da sala da gerência da loja de autos.
Satanás recebeu o novato com um largo sorriso e com voz terrível disse:
__Agora você completou o pagamento, meu caro João.

Nenhum comentário:

Postar um comentário