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domingo, 17 de abril de 2011

A revolução em marcha-fragmento

A reunião


   Naquele primeiro de janeiro de 1961 estávamos na casa de Juan Manoel de Mayo, nosso supremo líder desde o princípio. Ele fumava charutos copiosamente e dizia que deveríamos destruir o capitalismo no mundo e assegurar um futuro sem injustiça e sem opressão para nossos filhos e netos. Um médico argentino também marcou presença na reunião e afirmava que para que a humanidade conhecesse a verdadeira paz era necessário fuzilar, fuzilar e seguir fuzilando. Havia uma bela garota, de cabelos negros e com jeito de já ter lido todos os livros e de só ter gostado de O Capital. Estes três comandavam uma erudita conversação sobre tomada de poder, mas eu juro que não imaginava que eles falavam sério. Demorei a entender que luta armada não era uma metáfora para relação sexual.
   Eu só estava nesta reunião porque meu amigo Joaquim tinha me convidado. Nós dois éramos os representantes do Brasil naquela verdadeira constelação de jovens inteligências latino-americanas. Joaquim foi o culpado desde o princípio. Quando ele me convidou para conhecer a América Latina, em minha inocência, achei que o nosso único objetivo era conquistar bonecas hablantes de castelhano, nos valendo do nosso irresistível charme brasileiro. Na volta para nossa pensão, dialogando com o enigmático Joaquim é que consegui entender parte do  funesto plano, que nos deixará em péssimos lençóis: 
 _ As autoridades do Partido querem estender a revolução para toda a América Latina e o Brasil é a peça-chave. Da conquista do Brasil a uma América Latina socialista é um passo.
   _ Mas o que nós temos a ver com isso?- perguntei rispidamente.
   _ Nós estamos na guerrilha. Nos comprometemos a participar da luta pela conquista da primeira cidade brasileira.
    _ Estes “nós” abrange quais pessoas?
   _ Você, eu e todo mundo que participou daquela reunião.
   _ Mas, porém, seguramente, a participação das pessoas que compunham aquela brilhante tertúlia será de natureza intelectual, ficando os confrontos físicos reservados a indivíduos de menor estatura mental- ponderei entre desesperado e esperançoso.
   _ De forma alguma, meu caro Jorge. As sociedades opressoras sempre se fundamentaram na divisão entre o trabalho físico e intelectual. Veja o exemplo da Grécia Antiga, o berço da democracia e da filosofia ocidental, mas que era sustentada pelo trabalho escravo. Se queremos construir uma sociedade nova, justa e igualitária, precisamos que intelectuais e trabalhadores se unam no projeto de derrubada do sistema capitalista. Não é porque cursamos Universidade que vamos deixar de por a mão na massa.
   _Resumindo, nós vamos pegar em armas, matar pessoas e correr risco de morrer.
   _Sim... Prosaicamente falando, faremos isto sim. Mas você deve sempre ter em mente que estamos lutando pelo Ideal maior, O Grande Sonho do Comunismo.
   _ Mas Joaquim, e se eu não quiser?
   _Mas como você pode não querer, Jorge, se você é meu irmão espiritual e sempre estivemos juntos em tudo? disse Joaquim ao mesmo tempo que me abraçava.
   Respondi a última fala de Joaquim com um monossílabo qualquer e não sei porque aceitei o estúpido argumento dele. Tudo o que sei é que por esta altura já havíamos chegado em nossa humilde pensão. Cumprimentamos a dona do estabelecimento: Buenas noches, Buenas noches. Subimos para o nosso dormitório e na parte de cima da beliche tive um horrendo pesadelo, que devo narrar o mais fielmente possível para revelar á humanidade o terrível sofrimento psicológico que a iminência da guerra pode causar em almas sensíveis:
O sonho

   Eu era um soldado e estava envolvido em uma sangrenta batalha. Pelejava com denodo. Provocava incontáveis baixas no exército adversário. Até que me vi frente a frente com uma mulher, uma oficial das hostes inimigas. Ela era de extraordinária beleza. Pancadas fortes no meu coração. Era meu dever matá-la, mas minha alma dizia não. Ela poderia ser a mulher da minha vida, a mãe de meus rebentos e estava ali ferida, desarmada, vestida com a roupa do lado inimigo. Por fim, a obrigação cívica triunfou e matei o meu amor.
De repente, eu estava em outro cenário. Estava sendo condecorado. Recebia a justa premiação por ter me portado valentemente nos embates. Mas não podia me olvidar que havia matado meu anjo. Eis que uma mulher alta e loura me observa. O general nos apresenta e diz que devemos nos unir pelo bem da revolução. Passamos a morar, minha esposa e eu, em uma cidade que nevava o dia todo. Ninguém poderia transitar livremente pelas ruas, pois todos os que tentavam transformavam-se em blocos de gelo.Minha cônjuge e eu passávamos dias inteiros tendo que produzir artigos em defesa do regime. Tinhámos que atacar o capitalismo e nunca fazíamos amor. Eu tentei diversas vezes, porém ela dizia que era necessário trabalhar pela revolução, que não existíamos como indíviduos, mas sim como peças de um projeto coletivo e que era urgente destruir, até a raiz, o pensamento burguês. Entretanto, realmente, eu sentia falta de um pouco de diversão. Nossa
 vida conjugal se resumia em trabalho, trabalho e mais trabalho.
   Tudo prosseguia na santa monotonia, até o fatídico dia em que vieram os tanques. Os soldados falavam em inglês e destruíram nossa cidade. No lugar, construíram uma filial da terra de Disney.
De volta à “realidade”

   Acordei banhado em suor. Felizmente estava com meu pijama listrado e não com a fantasia do Pato Donald. De fato, não sei o que é pior, se a Disneylândia ou se o laborioso projeto em benefício da Revolução. O relógio marcava seis da madrugada. Joaquim me informou que era preciso levantar, arrumar e partir para o aeroporto. Iríamos para Minas Gerais, dar nossa contribuição para o projeto revolucionário. Era preciso ser guerrilheiro, modificar radicalmente as formas de produção, instaurar a ditadura do proletariado. Mas viver, dormir, aproveitar a vida, contemplar, o céu, o sol, o mar, não é preciso.
   Dialogando com Joaquim a caminho do aeroporto tive acesso a mais pormenores da nossa missão:
   _Meu caro Jorge, chegaremos a Belo Horizonte e lá tomaremos um ônibus que nos levará para a cidade que iremos conquistar, Entrada do Paraíso.
   _Entrada do Paraíso, mas de onde vem o nome desta cidade? Por acaso é ela um importante centro de peregrinação religiosa?
   _ Não, creio que a cidade é centro de algo exatamente contrário à religião... Não é o momento para pensarmos em questões de toponímia, meu nobre amigo. Mas se você insiste em saber a explicação para o nome da localidade que a Revolução determinou que conquistássemos,  posso te apresentar uma hipótese: a denominação de Entrada do Paraíso se explica pelo fato de ser lá que se iniciará o processo revolucionário no Brasil.
   _Hipótese fantasiosa, a realidade é outra.
   _Talvez seja, mas que me importa a realidade atual do mundo? O que interessa é transformar a realidade.  
   _ O marxismo se parece com uma religião, com promessas de paraísos...
   _ Pode ser, todavia o paraíso  do marxismo se conquistará com a luta do povo oprimido e não com a benevolência de um deus tirânico.
   _Mas Joaquim, chegando ao Brasil e à cidade de Entrada do Paraíso, como iremos proceder?
   _Ótimo questionamento, meu caro amigo. Chegando à Entrada...
   _ Espere, você pode falar destas coisas, assim no meio da rua?
  _ Oh, não se preocupe Jorge. Estamos em pleno território revolucionário. Olhe para esta gente, todos escrevem conjuntamente o belo poema da Revolução...
   Olhei para a gente... Um povo sofrido, acotovelando-se nas vias do centro da capital, fazendo fila para comprar alimentos nos postos estatais, lotando os veículos de transporte público a caminho de mais um estafante dia de trabalho. Haverá realmente diferença, profunda e substancial, entre um povo submetido a um regime com pretensões socialistas e um de um país francamente capitalista. Certamente os meios de produção mudam, a forma de governar, as relações sociais mudam, mas não creio que a opressão venha a ser extinta. Mas talvez Joaquim tenha razão... Provavelmente o projeto deste país, em longo prazo, venha gerar frutos realmente positivos e as desigualdades sociais sofram uma redução significativa. Mas para que este êxito seja alcançado é indispensável que os puritanos do Norte deixem esta pequena ilha em paz. Se , ao menos, ao invés dos espiões da CIA, eles nos mandassem as Marilyns and Graces...
─O nosso avião chegou, Jorge. Vamos rumo á revolução.
__Pelo meu atual estado psicológico gostaria imensamente que revolução fosse um nome de uma animada boate.
De volta a pátria
Não posso acredita que voltei  ao meu país!O Brasil é verdadeiramente uma terra estupenda. Minha vasta experiência internacional, adquirida naquela minúscula ilha caribenha e socialista, permite-me afirmar que a nação verde e amarela possui a supremacia planetária. Afinal, em que em outro lugar do mundo se pode ligar o rádio e ouvir os astros de rock americano.Ou ir ao cinema e ver as grandes produções de Holywood. Quando assisti Os Dez Mandamentos e Ben Hur me encantei com a figura de Charlton Heston de tal forma que me converti ao protestantismo e comprei um rifle. Mas estas duas experiências não me trazem boas recordações. Mas voltando ao meu delírio ufanista totalmente infundado e sem nenhuma utilidade para a progressão deste relato, não posso me esquecer de citar a mulher brasileira. Simplesmente a mais bela do globo terrestre, tão cantada em verso e em prosa pelos melhores poetas e cafajestes. As nossas fêmeas são extremamente sensuais, estão sempre propensas ao sexo, pelo menos nas palavras daquele agente de turismo alemão. Mas eu devo discordar, porque do alto da minha experiência de quem só consegue companhia feminina quando vai à bordeus... Mas deixemos de confissões embaraçosas e voltemos às efusivas demonstrações de amor pátrio. Somos

  
  




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