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domingo, 28 de agosto de 2016

Escolha



Luísa era uma moça encantadora. Amava os livros, os filmes, a música, os animais, os verdes,as águas e principalmente  as pessoas. Além de viajar.
Numa de suas viagens   conheceu  um homem. Dançaram juntos em uma linda noite enluarada. E também conversaram e descobriram grandes afinidades intelectuais e espirituais. Parecia ser o início do mais sublime amor.
Paulo era um músico brilhante. Mas nem sempre foi. Durante muito tempo, apesar de todo o apoio da abastada família, não conseguiu ultrapassar a mediocridade artística. Os instrumentistas mais talentosos e os mestres musicais com os melhores métodos de ensino não conseguiram fazer com que o canhestro rapaz tocasse com engenho e arte. Ele permaneceu entregue à frustração até o dia em que teve um encontro inesperado.
_Quem é você que invade meu quarto?
_Sou o bode expiatório da religião. E também aquele que realiza desejos de mortais. Não  sem exigir o justo pagamento por meus serviços,  naturalmente.
_Meu Deus, você  é...
_Sou tua única esperança.  Posso obter êxito na empreitada em que os maiores entendedores de música falharam. Farei com que seja o maior instrumentista que já existiu. Em troca levarei o que você mais ama, em momento que me for mais oportuno. Sei que dúvidas, entretanto ordeno que te sentes ao piano e toque.
Paulo obedeceu e jamais, nem no céu,  nem na terra, algo ou alguém tocou com tamanha maestria, sentimento, rigor e graciosidade. Parecia que um deus da música havia  encarnado num corpo de um artista mediano.
Muitos aplausos e reconhecimentos depois, Paulo encontrou Luísa na cidade em que participava de um festival musical.
A moça era linda e estar ao lado era a experiência mais agradável que pode existir. Beijaram-se e ele sentiu que adentrava o Paraíso. Trocaram telefones e despediram-se ansiosos por novos encontros.
Regressando ao hotel, Paulo encontrou o credor disposto a cobrar a dívida.
_Você disse que levaria o que mais amo. E o que mais amo é tocar. Significa que perderei meu talento?
_Não,  pois desde esta noite passaste a amar mais a Luísa do que tua arte. Eu a levarei comigo, a menos que renuncies ao teu talento. Nesse caso não a levarei para minha mansão infernal e  serás feliz no amor, porém  sem talento e sem glória.
Paulo passou a meditar, angustiado. O que escolher? O dulcíssimo amor ou a aclamação nos palcos? Seus dedos realizando os sonhos dos compositores ou acariciando os cabelos da amada? Amar e ser amado por uma mulher ou ser adorado por multidões anônimas? Ouvir estrelas ou ouvir a si mesmo triunfando musicalmente?Os delicados instantes da relação amorosa ou o dinheiro e o glamour de um artista consagrado? Pensou, pensou, pensou, até que se decidiu, não sem se sentir mortalmente ferido.
_Leve-a. Não abdicarei de minha arte.
_Sábia escolha. O mundo não é dos que têm coração, mas dos que sabem conquistar corações.
Na noite seguinte, Paulo fez uma apresentação que foi assim descrita por um respeitado crítico : "...uma performance perfeita tecnicamente, porém sem alma. Parece que o talentosíssimo instrumentista perdeu algo muito importante. "

sábado, 27 de agosto de 2016

Acróstico

Fantástico inimigo do povo
Oportunista e vil
Ratazana nefasta
Amigo dos corruptos

Tesoura dos direitos
Extraordinário usurpador
Maravilhoso sabotador da democracia
Experiente em tramoias
Rapidamente saia de Brasília.

Quase certeza



Pode não haver depois
Pode não haver sentido
Pode não haver justiça
Nem razão

Pode tudo ser trevas
Depois dos dias angustiados

Pode não haver
A Jerusalém anunciada
Nem a Atenas
Lindamente aperfeiçoada

As melodias podem ser mentiras
Os profetas, praticantes
Da maior inutilidade

A manhã virá
Mas não será
Aquela de sol deslumbrante e
Liberdade

Ainda há vida
Entusiasmo, não
Calor sem amor
Noite sem descanso
Despedida sem abraço

Houve um dia
Sem testemunhas
Em que gritei
Dulcíssimos cumprimentos
À vida
Entretanto
Apenas a realidade
É  minha companheira
Ontem, hoje e amanhã

Alguns são dinheiros
Outros amizades
Eu, frustração

O céu permanece
Despejando seus azuis
Porém não
Tenho olhos de ver.