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domingo, 3 de abril de 2011

A princesa da beleza

O DISCRETO CHARME DE LUÍSA

Luísa era famosa em todo o país como princesa das cirurgias estéticas. Realizou todas as possíveis e imagináveis, além das impossíveis e inimagináveis. Capa de várias revistas, presença constante em filmes publicitários e em festas badaladas, próxima estrela de uma telenovela que está sendo produzida. Assim é a heroína desta história.

Embora seja uma mulher belíssima, é tremenda injustiça rotulá-la como neurótica com a aparência. Ela apenas se cuidava, usando os melhores cremes, as melhores lentes de contato e as melhores tinturas para cabelo.

Outra injustiça que o vulgo freqüentemente comete contra a celestial Luísa é tachá-la de ser uma pessoa vazia, desligada de questões culturais. Pelo contrário, sua  ligação com o universo literário é inegável, sendo que ela é uma autora muito bem-sucedida! Seu livro, “Manual prático para você se tornar uma celebridade linda e famosa”, provocou uma incrível corrida às livrarias de leitores (e pessoas que só olham as figuras ou que apenas queriam decorar a estante) de ambos os sexos.Fenônemo de vendas semelhante no mercado editorial semelhante somente quando o Papa resolveu publicar as suas “Memórias Sexuais”. Digna de nota também é aquela ocasião ,em que numa importante feira literária, Luísa foi mais assediada que aquele ilustre autor lusitano, premiado na Suécia.

Tarefa importante é deixar bem claro a você leitor, a sensibilidade social de nossa musa. Não, ela não é indiferente às questões sociais como afirmam seus invejosos críticos. A prova disso é sua participação ativa em campanhas humanitárias, desde que tenha a sua imagem divulgada em revistas e emissoras de televisão, usando sumária vestimenta. Tudo é claro por nobres razões.

Mas nossa deusa possui ambições para além de ser de todas a mais bela. Ela ambiciona ser candidata à presidência da república. Se eleita ,pretende implantar importantes projetos sociais como botox para pessoas de baixa renda e reforma educacional, com a implantação do ensino da profissão modelo-manequim-atriz-apresentadora nas escolas públicas.
A RIVAL

Nenhuma outra mulher do mundo podia rivalizar com a retratada nestas mal traçadas linhas no quesito beleza. Pelo menos nenhuma célebre, já que em um certo dia estando Luísa passeando pelas ruas encontrou uma belíssima mulher, uma deusa de cabelos negros e olhos azuis parada na entrada de um banco. Nossa amiga ficou em choque e paralisada por alguns segundos, mas por fim sacou a máquina digital e tirou uma foto da linda moça. Nisto a bela e desconhecida jovem se colocou em estado de alerta e em seguida assobiou forte, sinal que fez aparecer dois homens altos e fortes, que agarraram Luísa e a jogaram dentro do carro, tão rapidamente que ninguém na avenida se deu conta da movimentação.

Agora infelizmente,teremos que, você e eu, querido leitor, descer ao lado triste e sem brilho da existência humana. Não é que nossa esplêndida Luísa está amarrada em uma cadeira, com a boca amordaçada, em um porão escuro! Ela fica assim isolada, até que por uma porta entra aquela mulher de beleza deslumbrante que conhecemos em frente ao banco, acompanhada dos dois homens robustos. A raptora retira a mordaça de Luísa e inicia um interrogatório:

_ Você trabalha para a polícia?
_ Não.
_ Então, para quem trabalha?
_ Ora...Trabalho para revistas, para televisão.
_ È jornalista?
_ Não.
_ Então, o que faz?
_ Faço muitas coisas.
_ O quê por exemplo?
_ Poso para fotos. E estou me preparando para participar de uma novela.
_ Novela?!
_Sim. Escrita por Fernando Menezes, Vai ser um estouro de audiência.
_ Então... Você não me conhece ??
_ Não, nunca a tinha visto antes. Embora tenha que admitir que você é a mulher mais bonita que estes meus olhos já viram, exceto quando eu me olho no espelho, obviamente.
_ Obrigada- disse a interrogadora, não sem esboçar um sorriso.
_ Qual é o seu segredo de beleza- pergunta Luísa.
_ Segredo de ... Olha, eu tenho que conversar com meus... amigos... Depois eu volto para conversar com você, tá bem ?
_ Sim, querida. Eu sou muito compreensiva. Mas será que antes você não poderia me desamarrar? Acho que estas cordas apertadas vão prejudicar a minha pele.
_ Logo mais, querida. Espere um minutinho, tá. E quanto às cordas, não se preocupe, pois elas são ótimas para a pele. Aliás, este é o meu segredo de beleza.
_ Ora, vivendo e aprendendo.

Nisto a moça que fazia as perguntas e os dois homens foram para outro cômodo e iniciaram uma discussão:

_ Ela não sabe de nada- disse a mulher.
_ Ela deve estar mentindo- disse um dos homens.
_ Com certeza ela deve ser da polícia ou da imprensa- disse o outro.
_ Não, tenho certeza que não.- responde a moça- Ela é uma perua louca, conheço o tipo.Poderíamos exigir por ela um bom resgate, mas não vamos fazer isto porque não é este o nosso ramo. Eu já sei o que vamos fazer, tenho um plano.

Depois deste elevado debate e da posterior exposição do plano de ação, o dinâmico  trio retornou ao triste cubículo onde a angelical Luísa permanecia imobilizada. Novamente foi a mulher, evidente líder daquele grupo, quem dirigiu a palavra à inocente prisioneira:

_ Olha, querida, qual é o seu nome.
_ Luísa. E o seu?
_Fernanda. Bem, Luísa temos que te explicar umas coisinhas. Nós confundimos você com outra pessoa. Pretendíamos pregar uma peça em uma amiga, que é parecidíssima com você. Agora, conversando com você me dei conta de que nós nos enganamos. Sendo assim, vamos soltar você com uma condição...Digo com um pedido:- não conte para ninguém o que aconteceu aqui. Porque nós ainda pretendemos surpreender nossa amiga e se esta história for divulgada pode chegar ao conhecimento dela. Combinado, então?
_Sim, claro. Eu detesto estragar surpresas.
_ Agora, meu bem, nós vamos vendar seus olhos. Porque esta região é muita empoeirada e nós não queremos prejudicar seus olhos.
_ Sim.

Rapidamente um dos rapazes vendou os olhos de Luísa, olhos estes embelezados por estupendas lentes de contato verdes. Em seguida Luísa é levada até a um carro, ainda amarrada e vendada. Os três comparsas também entram no veículo, sendo que um dos homens dirige e o outro fica no banco de trás com Fernanda, sendo que Luísa fica no centro. O motorista dá várias voltas com o veículo e leva a nossa heroína a uma parte pobre e afastada da cidade. Chegando em frente a um lixão o automóvel é estacionado e Luísa é informada que irá ser deixada ali.

_ Pois bem querida, vamos te deixar aqui- disse Fernanda.
_ Mas como, se não sei onde estou e tenho os olhos vendados e as mãos e as pernas amarradas.
_ Lucas vai te livrar das cordas e da venda.
_ Mas e a minha bolsa? Lá estão meus cartões de crédito, meu celular e muitas outras coisas importantes.
_ Olha, querida: -esquecemos sua bolsa, mas te prometemos devolver brevemente. Agora, Lucas leve-a.

Lucas pegou Luísa como se ela fosse uma boneca de pano e a retirou do carro, desamarrou a moça e a deixou sentada em uma pedra.  Velozmente o bandido entrou dentro do veículo, que já estava com o motor ligado e desta forma o trio desapareceu.

Assim ficou Luísa abandonada e desolada, sem saber onde estava. Decidiu ir andando em linha reta para encontrar alguém que lhe desse informação. Chegando na parte da rua em que havia casas, ficou estarrecida com a pobreza daquela gente. Alguns homens assobiaram e disseram palavras elogiosas quando a viram, o que a deixou muito contente. Por fim, ele encontrou uma senhora a quem achou oportuno perguntar:

_Onde posso encontrar um táxi?
_ Eu tenho um telefone de táxi anotado. Vou lá dentro buscar.
_ Ei, espere. Esqueci minhas coisas na casa de uma amiga... Será que a senhora não poderia me emprestar também o telefone.

A senhora olhou de alto a baixo aquela moça bem vestida, parecendo ser rica. Mas por fim concordou.
_ Vamos, entre.

Luísa telefonou e minutos depois o táxi veio buscá-la. Ela agradeceu a ajuda da senhora, e em seus pensamentos considerou que deveria presenteá-la com um exemplar de seu livro.

O taxista achou Luísa muito linda e ficou com a impressão de que já a conhecia de algum lugar. Quando chegaram ao destino e Luísa disse que iria lá dentro buscar o dinheiro, o chofer teve uma súbita inspiração. Pegando uma revista de nudez feminina, comparou o rosto da modelo da capa com o de sua passageira e disse:

_ Já sei quem você é, não precisa me pagar nada.
_ Tem certeza?- pergunta Luísa.
_ Sim, claro. Vou contar a todos os meus amigos que eu já te levei no meu possante. Vai ser um sucesso. Agora toda vez que você precisar de um taxista me liga, tà?

Luísa agradeceu ao motorista e se dirigiu para a sua casa. Sentiu um grande alívio por estar novamente em seu lar, seu território, rodeado pelo seu luxo. Esta boa sensação foi rapidamente substituída por uma grande inveja da beleza daquela moça, com quem ela tinha estado hoje. Para vencer o desânimo ela resolveu caminhar até o centro comercial da cidade e fazer umas comprinhas.
A  TRANSFORMAÇÃO

Ela foi andando mesmo, já que detestava dirigir e morava perto das lojas mais chiques da cidade. Enquanto caminhava viu no chão uma página de jornal que trazia a foto de uma jovem. Pegou a página e ficou maravilhada. Era uma foto de Fernanda... Ela estava linda... E que ótimo a imagem ser colorida... Assim poderia com a ajuda dos profissionais certos fazer umas modificações que a deixariam tão linda quanto Fernanda. E com incrível agilidade Luísa sacou o seu celular de reserva e marcou horário com o seu cirurgião favorito.

O cirurgião referido acima é simplesmente o nome mais respeitado da medicina estética contemporânea. Chama-se Heitor Dias e era procurado por nove entre cada dez celebridades. O que lhe deu fama foi o incrível caso de homem que pensava ser uma galinha. Tendo sido tratado por vários psicólogos,  psicanalistas e assemelhados, com ou sem registro profissional, o paciente não demonstrou nenhuma melhora. Em função disto, sua família desesperada resolveu após uma dramática deliberação, de que já que o rapaz se sentia uma galinha o melhor para ele é ser uma galinha de fato.Para o mais pragmático dos irmãos a maior vantagem é que desta forma ele botaria ovos. Depois de procurarem os mais respeitados cirurgiões e de ouvirem sonoros não de todos eles, finalmente um iniciante cirurgião, o mesmo que anos depois aperfeiçoaria a beleza de Luísa, resolveu efetuar a transformação do infeliz rapaz, não sem a preciosa ajuda de um carnavalesco que foi responsável pela colocação das penas.

Este incrível trabalho foi fartamente noticiado pela imprensa, dando ao jovem médico uma fama instantânea e altamente rentável, passando a ser procurado por uma quantidade enorme de pessoas famosas ou não famosas,mas todas com muito dinheiro e ávidas por transformações estéticas. O doutor Heitor era um ser acima dos mortais, capaz de transcriar a natureza, fazendo os feios se tornarem belos e os belos virarem deuses. Para tanto, bastava que o cliente fosse privilegiado economicamente. Apesar de ser muito ocupado, o doutor da beleza, como era chamada pela imprensa especializada, sempre encontrava um tempo para atender Luísa, por quem nutria uma paixão avassaladora.

_ Que bons ventos a trazem, minha cara Luísa- disse Heitor, ostentando o seu mais amigável sorriso.
_ Vento nenhum doutor. Vim por causa de uma foto.
_ Uma foto?
_ Sim, esta foto_ responde Luísa ao mesmo tempo em que depõe a página de jornal encontrada na rua na mesa do médico- Eu quero ficar idêntica a ela.
_Sim, creio que ela é muito bonita, mais acredito que tua estética é superior a dela.
_ Obrigada, doutor. Mas é uma questão de necessidade, eu preciso ter este rosto, estes cabelos, estes olhos,” este algo mais” que ela tem. O senhor consegue?
_ Sim, certamente pois se eu sou o cirurgião que transformou um homem em uma galinha, um elefante em um mamute e um anão em um astro da NBA. Mas minha cara Luísa, neste pedaço de jornal há uma informação que você parece desconsiderar... Você leu o texto...
_ O texto...Ora, me dê isto- toma a página das mãos do médico- Oh, mas que horror... Ela me enganou... Disse pra mim que se chamava Fernanda e seu nome verdadeiro é Paula... Ora, pouco me importa nem o texto, nem os nomes. Veja você doutor: ao ver uma rosa o que nos encanta é a beleza dela e não o nome, a palavra rosa. E assim é com todo o resto. Então, para concluir o senhor vai me operar mesmo, ou terei que procurar outro profissional.
_ Eu farei conforme tua divina vontade, oh sublime encarnação do amor.

Ao ser liberada pela equipe médica, Luísa pôde constatar que a cirurgia foi um sucesso e que seu rosto agora era a cópia perfeita do rosto de Fernanda, ou Paula, seja lá o nome que ela tenha. Mais ainda faltavam duas coisas para transformação ser completa: os olhos e os cabelos.

Mas que depressa Luísa foi a sua ótica favorita e encontrou lentes de contato que imitavam perfeitamente aqueles que brilhavam naquela foto de jornal. Com a mesma rapidez se dirigiu ao seu cabeleireiro favorito e tingiu seus cabelos, deixando-os esplendorosamente negros.

Luísa saiu do salão, sentindo-se linda, divina. Enquanto se olhava num pequeno espelho, um carro de polícia estacionou em frente a ela. Dois homens robustos e fardados saltaram de dentro do automóvel e levaram Luísa presa. Ela ficou chocada e quando deu por si estava em uma salinha sentada numa cadeira desconfortável. De repente, uma porta se abre e dá passagem para uma mulher acompanhada pelos dois policiais que prenderam Luísa. A mulher recém chegada toma a palavra:

_ Nós somos da polícia e sabemos que a senhora e seus comparsas cometeram muitos assaltos a banco nesta cidade e em outras capitais do país, por isso queremos que você nos informe o paradeiro dos seus cúmplices.

Luísa não soube responder a estas e outras indagações dos policiais, porém permaneceu presa, porque sua maravilhosa aparência a condenava. Seu rosto não era mais o de Luísa, “socialite” e perua mor do país, mas o de Paula Mendes, a maior assaltante de bancos do Brasil.

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