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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Discordo de petistas e tucanos

Marcos Bagno em recente artigo publicado na revista Carta Capital, intitulado "Presidenta, sim"  posicionou- se a favor da utilização da forma 'presidenta' em detrimento de 'presidente', porque temos uma chefe de Estado mulher e desta forma estaríamos dando o justo tratamento a uma representante do sexo feminino. O linguista da UNB principia sua argumentação com o exemplo de que se uma mulher e um cachorro fossem atropelados, os jornais noticiariam que 'eles' foram atropelados. Para o referido autor tal fato se constituiria em preconceito contra gênero incrustado na língua por uma sociedade tradicionalmente machista.
Realmente nossa cultura é machista, mas não creio que o uso da forma 'presidenta' vai resolver este grave problema. Bagno diz que o fato de um cachorro e uma mulher serem citados no plural faria algo como desumanizar a mulher. Talvez, mas não sei. Poderia-se argumentar que neste caso a língua está sendo neutra, não estabelecendo hierarquia entre animais e seres humanos. E por falar em animais, vemos os casos em que a língua portuguesa tomou o caminho de designar a espécie no feminino: as cobras, as baratas, as tartarugas, as abelhas etc. . E para não ficarmos apenas em exemplos extraídos da fauna, examinemos o termo criança, que designa, geralmente, seres humanos bastante jovens, antes de entrarem na adolescência, e que é uma palavra do gênero feminino. De fato, escrevemos e falamos 'as crianças', mesmo se todos os indivíduos aos quais queremos nos referir sejam do sexo masculino. Não acredito que estes tipos de designação sejam atos que denotem feminismo.
Bagno , neste artigo da Carta Capital, não esconde sua preferência ideológica pelo PT, ao criticar asperamente Serra e Marina e ao enaltecer a eleição de Dilma. E creio que é neste plano do ideológico e não do linguístico que esta polêmica, em torno da forma 'presidenta' ,se desenrola. Partidários do governo, políticos ou não, entram no coro da forma 'presidenta', que é uma maneira de Dilma valorizar a sua condição de mulher eleita para um cargo tão importante, mas também de aumentar o seu prestígio como figura pública. Os oposicionistas, na política ou na imprensa, defendem a manutenção do tratamento 'a presidente', porque o vocábulo terminado com 'a' seria uma agressão petista a língua portuguesa. Mas os que eles querem conter, de fato, é a aprovação popular à Roussef.
Para além do ideológico, penso que se as duas formas, 'presidenta e presidente', para designar uma chefe de Estado ,ou de uma instituição qualquer,  do sexo feminino são possivéis dentro do sistema de formação de palavras da língua portuguesa, isto implica que os falantes podem optar por aquela que achar melhor, sem por isso terem que ser tachados de destruidores do idioma ou de machistas. E se as duas já citadas formas são abonadas por gramáticas e dicionários, como disseram o próprio Bagno e Sírio Possenti,acredito que ambas podem ser utilizadas em textos formais, ao gosto do produtor destes textos.
O uso dos falantes e escritores, dirá qual forma se consagrará e ou se as duas coexistirão. Não acredito em quem diz que se usarmos 'presidenta' acabaremos usando 'estudanta', 'gerenta' e coisas do gênero. A língua segue os seus caminhos , consagra usos e exclui outros. 'Embaixatriz ' não obriga ninguém a dizer 'doutortriz'.
A eleição de uma mulher para presidente é certamente um evento simbólico importantíssimo. Dilma pode ser um estímulo para as mulheres, assim como Obama para os negros e Lula para os proletários. Mas só o simbólico não basta. O Brasil precisa de uma política concreta de valorização da mulher, com investimentos em  saúde pública em todos os campos da medicina , mas em especial na ginecologia e obstretícia, com uma educação pública de qualidade, deste o ensino infantil até a pós-graduação, e com o combate á discriminação por gênero sendo tratado como tema transversal nas diferentes disciplinas, combate à miséria e a falta de informação, combate a violência doméstica, uma aplicação efetiva da lei Maria da Penha, coisas deste tipo, que trazem impactos significativos na sociedade. Bem mais significativos, pelo menos, do que uma mera mudança de letra, ou fonema,na terminação de uma palavra.
Texto de Marcos Bagno disponível em: http://www.cartacapital.com.br/politica/presidenta-sim

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