Pesquisa

sábado, 15 de outubro de 2016

Fim do mundo

Para Bob Dylan e Carlos Drummond de Andrade
O mundo acabando
Sua mãe esqueceu as canções
O jardineiro há muito tempo não vem
Os poetas sangram
Os profetas choram
Águas mortas
Sonhos vendidos
Em balcões de negócios
As novidades na moda
Os tiros na favela
O Haiti e a criança sem escola
Os poetas sangram
Os profetas choram
Tantas informações
Tantos números
Mas a paz é uma esperança
Que já perdeu a vida
Os poetas sangram
Os profetas choram
A criança em você
Onde está?
Teu sonho tão iluminado
Quem apagou suas luzes?
Quem patrocina a morte do sol?
Os poetas sangram
Os profetas choram
Dirão para você consumir
Indicarão igrejas
Tantos conselhos
Em livros e em redes sociais
Mas ninguém cuidará de suas feridas
Os poetas sangram
Os profetas choram
É tão doloroso escutar
Os gritos de fome
Dos famélicos do mundo
A beleza de suas intenções
Não mascara sua impotência
Os poetas sangram
Os profetas choram
A chuva se aproxima
Qual hemorragia dolorosa
Os poetas sangram
Os profetas choram
Para onde vai você
Se seus passos são em vão
Se Manhattan é indestrutível?
Se você se chamasse José
Seria uma referência
Não uma solução
Os poetas sangram
Os profetas choram
Para os pobres
E para os sensíveis sempre
Estará apontado o canhão
Os poetas sangram
Os profetas choram
Marcha a indesejada
Em cavalo ligeiro
Ceifa vidas incompletas
Que não puderam ser
Os poetas sangram
Os profetas choram
Até quando soprará
No vento uma resposta
Que os poderosos não ouvirão?
Enquanto o inverno for lucrativo
Não será viável
O verão
Os poetas sangram
Os profetas choram.
Seu pai perde órgãos
Em fábricas e em bares
Sua mãe é rio assassinado
Você ouve suas velhas canções
Mas elas não te acalentam mais
Os poetas sangram
Os profetas choram
E tudo é uma ferida
Sem medicina
Para sua dor
Não há vacina
Os poetas sangram
Os profetas choram.

sábado, 24 de setembro de 2016

Chove

Céus generosos
O universo está tão feliz

Onde se esconde
Nossa tristeza
Quando Deus sorri?

O mundo é tão bonito
Parece que os homens
Não existem

As primaveras cantam, cantam
Alegria, alma com cheiro de nova
A infância amparando
O homem velho
A paz na terra
Num delírio do coração

As primaveras cantam
E todo o cosmos é um bailado.

domingo, 4 de setembro de 2016

Inglório instante



Na manhã após a grande noite de lágrimas
Os anjos começaram a cantar
E a natureza ficou livre dos homens
Fiquei ignorante das novidades
O céu pôde ser azul
E o sol beijar as flores.

Estive tão perto de mim
Que o Paraíso perdeu o sentido.

Não precisei das glórias vãs
De um mundo em macabra caducidade
Apenas das borboletas.

domingo, 28 de agosto de 2016

Escolha



Luísa era uma moça encantadora. Amava os livros, os filmes, a música, os animais, os verdes,as águas e principalmente  as pessoas. Além de viajar.
Numa de suas viagens   conheceu  um homem. Dançaram juntos em uma linda noite enluarada. E também conversaram e descobriram grandes afinidades intelectuais e espirituais. Parecia ser o início do mais sublime amor.
Paulo era um músico brilhante. Mas nem sempre foi. Durante muito tempo, apesar de todo o apoio da abastada família, não conseguiu ultrapassar a mediocridade artística. Os instrumentistas mais talentosos e os mestres musicais com os melhores métodos de ensino não conseguiram fazer com que o canhestro rapaz tocasse com engenho e arte. Ele permaneceu entregue à frustração até o dia em que teve um encontro inesperado.
_Quem é você que invade meu quarto?
_Sou o bode expiatório da religião. E também aquele que realiza desejos de mortais. Não  sem exigir o justo pagamento por meus serviços,  naturalmente.
_Meu Deus, você  é...
_Sou tua única esperança.  Posso obter êxito na empreitada em que os maiores entendedores de música falharam. Farei com que seja o maior instrumentista que já existiu. Em troca levarei o que você mais ama, em momento que me for mais oportuno. Sei que dúvidas, entretanto ordeno que te sentes ao piano e toque.
Paulo obedeceu e jamais, nem no céu,  nem na terra, algo ou alguém tocou com tamanha maestria, sentimento, rigor e graciosidade. Parecia que um deus da música havia  encarnado num corpo de um artista mediano.
Muitos aplausos e reconhecimentos depois, Paulo encontrou Luísa na cidade em que participava de um festival musical.
A moça era linda e estar ao lado era a experiência mais agradável que pode existir. Beijaram-se e ele sentiu que adentrava o Paraíso. Trocaram telefones e despediram-se ansiosos por novos encontros.
Regressando ao hotel, Paulo encontrou o credor disposto a cobrar a dívida.
_Você disse que levaria o que mais amo. E o que mais amo é tocar. Significa que perderei meu talento?
_Não,  pois desde esta noite passaste a amar mais a Luísa do que tua arte. Eu a levarei comigo, a menos que renuncies ao teu talento. Nesse caso não a levarei para minha mansão infernal e  serás feliz no amor, porém  sem talento e sem glória.
Paulo passou a meditar, angustiado. O que escolher? O dulcíssimo amor ou a aclamação nos palcos? Seus dedos realizando os sonhos dos compositores ou acariciando os cabelos da amada? Amar e ser amado por uma mulher ou ser adorado por multidões anônimas? Ouvir estrelas ou ouvir a si mesmo triunfando musicalmente?Os delicados instantes da relação amorosa ou o dinheiro e o glamour de um artista consagrado? Pensou, pensou, pensou, até que se decidiu, não sem se sentir mortalmente ferido.
_Leve-a. Não abdicarei de minha arte.
_Sábia escolha. O mundo não é dos que têm coração, mas dos que sabem conquistar corações.
Na noite seguinte, Paulo fez uma apresentação que foi assim descrita por um respeitado crítico : "...uma performance perfeita tecnicamente, porém sem alma. Parece que o talentosíssimo instrumentista perdeu algo muito importante. "

sábado, 27 de agosto de 2016

Acróstico

Fantástico inimigo do povo
Oportunista e vil
Ratazana nefasta
Amigo dos corruptos

Tesoura dos direitos
Extraordinário usurpador
Maravilhoso sabotador da democracia
Experiente em tramoias
Rapidamente saia de Brasília.

Quase certeza



Pode não haver depois
Pode não haver sentido
Pode não haver justiça
Nem razão

Pode tudo ser trevas
Depois dos dias angustiados

Pode não haver
A Jerusalém anunciada
Nem a Atenas
Lindamente aperfeiçoada

As melodias podem ser mentiras
Os profetas, praticantes
Da maior inutilidade

A manhã virá
Mas não será
Aquela de sol deslumbrante e
Liberdade

Ainda há vida
Entusiasmo, não
Calor sem amor
Noite sem descanso
Despedida sem abraço

Houve um dia
Sem testemunhas
Em que gritei
Dulcíssimos cumprimentos
À vida
Entretanto
Apenas a realidade
É  minha companheira
Ontem, hoje e amanhã

Alguns são dinheiros
Outros amizades
Eu, frustração

O céu permanece
Despejando seus azuis
Porém não
Tenho olhos de ver.